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A proteção jurídica dos credores fiduciários

Não pode ser aceito que esse setor sofra ainda mais esse ônus causado por decisões judiciais que desconsiderem a natureza profícua de sua atividade comercial


Por Rafael Estephan Maluf, Arnaldo Lares Campagnani e Chiara T. R. Lamenha de Siqueira.


O processo penal contemporâneo é cada vez mais voltado à constrição patrimonial. Nesse contexto, as medidas assecuratórias patrimoniais atingiram um protagonismo antes inimaginável no marco regulatório do direito penal tradicional, sendo um dos principais mecanismos dos órgãos de persecução penal no combate à criminalidade econômica.


Contudo, as medidas assecuratórias patrimoniais trazem consigo o risco de atingir indivíduos e pessoas jurídicas alheios à persecução penal, comprometendo a natureza de sua própria atividade econômica.


Isso ocorre, por exemplo, com construtoras e incorporadoras, na condição de credoras fiduciárias. Pois é corriqueiro que investigados (facilitando a leitura, leia-se investigado também como os réus e condenados definitivamente) tenham constritos os seus direitos sobre imóveis adquiridos em alienação fiduciária. Contudo, à época da celebração do negócio imobiliário, inexistia qualquer persecução penal em andamento em face do comprador da unidade imobiliária.


Em tais casos contrapõe-se, de um lado, o suposto direito estatal sobre os direitos dos imóveis adquiridos pelo investigado e, de outro, o direito do credor fiduciário sobre a dívida garantida pelo imóvel.


Nessa encruzilhada de indivíduos e direitos concorrendo sobre um mesmo bem, frequentemente ocorre a exigência do Estado que, para o levantamento da constrição, haja a devolução dos recursos pagos pelo investigado sobre o direito do imóvel. Do outro lado, a construtora/incorporadora aplica cláusulas contratuais, com a incidência de multa e penalidades, despesas decorrentes da manutenção do imóvel que, em muitos casos, ultrapassam até mesmo

o valor já pago pelo devedor fiduciário, inexistindo quantia a ser devolvida ao Estado, frente à equação de créditos/débitos.


Fica então a questão: os direitos das construtoras/incorporadoras previstos contratualmente se sobrepõem à exigência estatal de devolução integral dos recursos pagos pelo investigado? De igual forma, como o credor fiduciário pode se proteger quando medidas assecuratórias patrimoniais recaem sobre os bens alienados fiduciariamente?


A jurisprudência, em geral, tem aceitado o levantamento da constrição do bem em benefício do credor fiduciário, mediante o depósito em juízo dos valores já pagos pelo investigado.


Porém, como já ressaltado, não é incomum que, após a decretação das medidas assecuratórias patrimoniais, os investigados deixem de pagar as parcelas do financiamento do imóvel e de arcar com os ônus decorrentes da posse do imóvel, como despesas condominiais e de IPTU. Nessas ocasiões, o credor fiduciário acaba arcando com tais despesas, sob pena de serem executadas judicialmente, tendo em vista ainda ser o proprietário do bem.


Além disso, não se pode perder de vista que multas e encargos contratuais, decorrentes de atrasos no pagamento das parcelas e da rescisão do contrato por inadimplemento, são juridicamente válidas e é direito do credor recebê-las, em razão do ônus por ele suportado do não cumprimento contratual. Assim, podem e devem ter seu valor deduzido do saldo já quitado pelo investigado.


Portanto, os valores de eventuais penalidades contratuais, ônus e encargos pagos pelo credor fiduciário e outras cobranças devem ser descontados do montante já pago pelo investigado, sendo o restante do valor, caso exista, depositado em juízo para liberação do bem constrito. Isso porque, se por um lado é vedado o enriquecimento ilícito, sendo necessário o depósito judicial dos valores já pagos pelo investigado ao credor fiduciário, por outro lado as penalidades e indenizações pela resolução contratual permanecem plenamente válidas mesmo com a decretação de medidas assecuratórias.


Trata-se de um ponto importantíssimo e muitas vezes negligenciado pelo Poder Judiciário. Cabe ao credor fiduciário juntar ao processo um memorial de cálculo com todos os valores pagos pelo investigado e todos os valores devidos, corrigidos e atualizados, inclusive aqueles decorrentes de encargos e ônus oriundos da posse do imóvel eventualmente saldados pelo credor fiduciário, objetivando consolidar um crédito ou débito remanescente.


De igual forma, não raras as vezes, a autoridade judiciária questiona se o credor fiduciário tomou as cautelas de compliance necessárias para a verificação do lastro financeiro daquele comprador, que no momento da celebração do negócio imobiliário, não suportava qualquer investigação policial ou ação penal. A obtenção de certidões de execução criminal, de distribuição criminal e a verificação minuciosa da capacidade financeira do interessado no imóvel, independentemente do risco de crédito, já devem bastar para comprovação da boa-fé e lisura por parte da construtora/incorporadora no negócio imobiliário celebrado.


Nesse contexto, não obstante as construtoras serem um dos setores da economia que mais geram empregos diretos e indiretos no Brasil, a sua atividade enfrenta diversas dificuldades operacionais, tais como aumento de taxas de juros que dificultam o crédito imobiliário, risco de crédito, ausência de mão de obra qualificada, volatilidade dos preços dos insumos, entre outros, razão pela qual não pode ser aceito que esse setor sofra ainda mais esse ônus causado por decisões judiciais que desconsiderem a natureza profícua de sua atividade comercial.


Rafael Estephan Maluf, Arnaldo Lares Campagnani e Chiara Theodora Rodrigues Lamenha de Siqueira são advogados criminalistas pertencentes ao escritório Maluf Advogados. Publicado originalmente em 17/02/2025 no Valor Econômico.




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